Quase nenhum estudioso da psicologia ousaria negar a dificuldade histórica de concebê-la como uma ciência una. A diversidade marca esse campo do saber e se mostra evidente desde a concepção do que seja essa ciência até os métodos e as abordagens teóricometodológicas que sustentam a produção do conhecimento e as respectivas práticas.
Talvez um dos campos de produção científica e de atuação prática que se constitui alvo preferido de controvérsias seja o que tem como objetos o “trabalho” e as “organizações” nas quais ele frequentemente ocorre, historicamente tratados como partes de um mesmo fenômeno. Deparamo-nos hoje, novamente, com a difusão de um discurso promotor daquela cisão, veiculado por pessoas ligadas direta ou indiretamente a grupos detentores de recursos políticos e financeiros, que criaram bases de poder duradouras em algumas instâncias institucionalizadas de interlocução da psicologia brasileira. Tal discurso é de que só será possível uma psicologia do trabalho plenamente comprometida com os interesses do trabalhador, se houver uma cisão com uma psicologia das organizações, que estaria supostamente comprometida com os interesses do capital e contra os trabalhadores. O mencionado discurso ignora o fato de que aqueles que atuam com tais objetos, por serem historicamente alvos de críticas, talvez sejam os que mais incorporaram tais críticas, aproveitando-as de modo frutífero para repensar seus princípios, valores, teorias e métodos. Portanto, ultrapassaram a visão restritiva de conceber apenas um campo de aplicação especialmente focado nas empresas e indústrias. O conceito de “trabalho” hoje ocupa o foco da indagação do que seria fazer uma ciência psicológica voltada para o estudo dessa importante e central atividade humana e social, bem como para o “organizar” como processo inerente a toda constituição social.
A partir dos processos seletivos, os profissionais começaram a se preocupar com várias questões, como a organização do trabalho, a análise de tarefas e de postos de trabalho, as condições de trabalho dos empregados, dentre outras. O centro das atenções se restringia às questões relacionadas às atividades e às tarefas, mas os limites profissionais ampliaram-se e questões outras foram se somando ao escopo inicial, como as políticas organizacionais de recompensas e punições e seus impactos nos sentimentos de justiça do trabalhador, em sua saúde e seu bem-estar, e na sua eficiência e efetividade. Como seria, então, possível fazer uma psicologia apenas voltada para o “trabalho”, sem pensar nas “organizações” em que ele ocorre?
É impossível, na prática, dissociar o conceito de “organizações” do conceito de “trabalho”. Um lócus diferenciado de trabalho, desejado por aqueles que anseiam por um emprego, são as organizações. Elas existem para possibilitar o alcance de metas dos seus membros-dirigentes (quer sejam proprietários ou agentes públicos no exercício do poder organizacional), parceiros de todos os status da organização. Embora algumas metas individuais se diferenciem de pessoa para pessoa, outras são comuns e compartilhadas. A sobrevivência da organização, do âmbito público, privado ou do terceiro setor, é recomendável e deve ser buscada por todos os seus membros que desejam um emprego. Dificilmente é possível pensar em atingir objetivos pessoais que não passem pelos objetivos coletivamente compartilhados.
Este texto é basedo no manisfesto "Psicologia do trabalho e das organizações: não atuamos pela cisão", da SBPOT, e todos os créditos autorais pertence a este autor.